1 de julho de 2010

Enquanto você dorme a cidade não para

São Paulo é conhecida por sua praticidade e pelos serviços oferecidos 24 horas por dia. Se você acorda no meio da noite com vontade de comer algo diferente, pronto, lá estão dezenas de lanchonetes e super mercados para atender seus desejos. OK! Está de dieta, mas está agitado e sem sono? Lá estão os cinemas, livrarias, teatros e as baladas que atendem até altas horas da noite. Afinal, quem são esses profissionais que trocam o dia pela noite para cuidar desta sociedade notívaga?
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Trabalhar durante as madrugas não é uma exclusividade somente dos fictícios vampiros e lobisomens, são milhares de trabalhadores que prestam serviços para manter a cidade em ordem. Enfermeiros, médicos, engenheiros, empresas de saneamento e energia, sem contar os músicos, garçons e tantos outros empregados que estão completamente acordados enquanto uma boa parte da população dorme.
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O segurança, Valdir Oliveira, de 60 anos, vigia a entrada de uma vila residencial na região central. Trabalha há 25 anos nesta profissão e diz que não conseguiria mais trabalhar durante o dia, como tantos mortais. Ele inicia sua jornada às 21h e só larga o posto às 9h. Mora na cidade Tiradentes, zona leste, e chega em casa por volta das 12h, horário que a maioria das pessoas está almoçando.
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Valdir, que é viúvo, revela que no início de sua carreira a família não aceitou a mudança radical de horários, mas hoje, seus quatro filhos (todos adultos) respeitam sua profissão e já se adaptaram com sua ausência durante a noite. “Eu não preciso mais trabalhar, mas tenho medo de ficar doente em casa e essa foi a rotina que eu escolhi”, finaliza o segurança.
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Também no centro da cidade, o manobrista Tibério Domingo Celestino, 45 anos, trabalha há 4 anos guardando e vigiando carros de moradores de prédios sem estacionamento. “Eu comecei a trabalhar de noite como um ‘bico’ para melhorar o dinheiro em casa, agora já me acostumei, até acho normal ir dormir quando todos meus vizinhos estão saindo para trabalhar”, comenta o manobrista.
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Tibério começou a trocar o dia pela noite há 10 anos atrás, manobrando carros em eventos. Hoje, sua rotina de trabalho é das 18h às 6h. Mora em Guarulhos, município de São Paulo, e costuma chegar em casa por voltas das 9h, “chego em casa, tomo meu café e durmo até as 15h e logo preciso sair para voltar para o Centro”. O manobrista apenas se entristece quando lembra que nãoconsegue arrumar muito tempo para ficar com o filho de 9 anos, “só consigo brincar mais com ele aos finais de semana”, diz.
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Nem em dias que está de folga ou em férias Tibério muda sua rotina, ele assiste TV durante toda a madrugada e só pega no sono quando está amanhecendo. “Sinto que envelheci um pouco trabalhando a noite, mas não quero outra profissão”, revela o manobrista.
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Os irmãos Ricardo e José Eduardo Massoneto sabem bem o que é trocar o dia pela noite. Nascidos em Ribeirão Preto, interior de São Paulo, montaram uma banda há 13 anos. Trabalhavam em outros segmentos durante o dia e tocavam em noites alternadas, mas a paixão pela música ficou cada vez maior e decidiram tentar a vida na grande capital brasileira.
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Como se soubessem que essa alteração seria coisa de outro planeta, os músicos criaram uma banda chamada Doutor Jupter e há quatros anos estão em São Paulo, conquistando um público que freqüentam conhecidas casas noturnas nas Vilas Madalena e Olímpia.
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Mas para divertir dezenas de pessoas os irmãos alteram seus horários biológios todos os finais de semana e suas famílias também cooperam nesta relação dia-noite, noite-dia. O vocalista, Ricardo, de 33 anos, diz que nas noites que se apresentam costuma acordar cedo e cochilar no período da tarde para não ficar cansado durante a noite, mas durante a semana os horários são completamente diferente, “tenho uma rotina bem próxima de tantos outros profissionais, somente as segundas-feiras que tenho um pouco mais de dificuldade de entrar nos eixos, mas no restante da semana eu consigo seguir uma métrica de horários diurnos”.
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O músico revela que a banda trabalha a noite somente quando está no palco, mas durante a semana existem outros compromissos que precisão ser administrados durante o dia, como cuidar da agenda dos shows, a divulgação da banda, reuniões e ensaios dos músicos e o pagamento de contas. “Já nos adaptamos aos horários, mas imagino que como em qualquer outra profissão, existem períodos que precisamos nos doar muito mais que o normal, o melhor é que a família nos auxilia”, diz o cantor.
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E a esposa de Ricardo e também produtora artística dos músicos, Mariana Marques, 29 anos, confirma a dedicação e a dificuldade de trocar o dia pela noite. “No meu caso a jornada é tripla, me divido entre a casa, família e trabalho, quem mais sofre é o meu relógio biológico, pois de segunda a sexta acordo as 06, mas aos finais de semana é exatamente esse horário que chego em casa.”
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Mariana criou etapas para horários diurnos durante a semana, pela manhã organiza a casa e leva a filha na escola, durante a tarde se empenha na divulgação da banda, seja por telefone e internet, ou até visitando os clientes, “por volta das 18h, é o momento que dou uma brecada para cuidar da minha família. Jantamos juntos e após colocá-la para dormir, volto para o computador e termino o expediente lá pelas 23h”, diz a produtora.
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Em dias de shows, Mariana, costuma dormir até as 12h e quando pode, fica na cama até as 14h para agüentar as madrugadas que trabalha. “Não percebi nenhuma alteração de humor ou saúde depois de alterar minha rotina de horários, meu humor inclusive tem mais a ver com o que realizamos, e se eu pudesse escolher entre dia e noite, eu escolheria continuar trabalhando a noite, pois existe uma magia e ela é fundamental para a banda. Não consigo me imaginar trabalhando em horário comercial, eu prefiro ficar com minhas olheiras de estimação e me arrastar toda segunda-feira, mas fazer aquilo que amo”, enfatiza a produtora.
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Quem também altera seus horários é o cunhado de Mariana e irmão de Ricardo, o baixista José Eduardo, de 29 anos, conhecido como Dudú. Durante a semana acorda por volta das 7h30, leva o filho na escola e segue para o trabalho. Ele é professor de violão, guitarra e contrabaixo em uma escola de música e fica lá até as 20h. Estuda na Escola de Música do Estado de São Paulo e ainda arruma tempo para ensaiar, gravar e produzir suas canções.
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Dudú diz que em dias de shows dorme pouco, “se nos apresentamos da sexta para o sábado, descanso apenas 4 horas, pois dou aula logo cedo. Quando o show é de sábado, durmo umas 6 horas para poder dar atenção à família.”
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Acostumado com a loucura de sua agenda, o baixista afirma que tocar a noite tem suas vantagens, “vivemos num mundo diferente, o da noite, onde todos se comportam de maneira menos hostil, sem formalidades, sem contar que sempre existe a esperança de que podemos alcançar nossos objetivos fazendo o que amamos”. Mas o baixista também não nega que além das dificuldades para agendar uma viagem em família, sente o humor alterado pelas poucas horas dormidas.
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Em 2007 a revista The Lancet Oncology publicou um artigo da Agência Internacional de Pesquisa de Câncer (AIPC) da Organização Mundial da Saúde (OMS) revelando que trabalhos em turnos irregulares aceleram a incidência de câncer, transtornos digestivos, cardiovasculares e reprodutivos.
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A maioria dos profissionais que foram entrevistados se preocupam com o envelhecimento precoce da pele, mas eles e tantos outros podem ficar tranqüilos.
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Para a dermatologista, Roberta de Cortina Lima, o indivíduo que tem o hábito de dormir durante o dia e trabalhar a noite, não apresenta alteração na pele, diferente de quem não está acostumado e que ficam sempre com olheiras e com aparência cansada. Para ela, o dano solar é bem menor para quem troca os horários comuns, “a pessoa pega menos sol e quase não tem lesão fotodependente. A pele envelhece mais por hábitos como o cigarro, bebidas e má alimentação, e não por trocar o dia pela noite”, afirma.Pelo bem ou pelo mal, graças a esses profissionais a cidade de São Paulo fica cada vez mais interessante e agrada a todos em qualquer hora do dia.